A culpa é do cachorro?

Vou incrementar este debate, já respondendo ao título do mesmo, presumindo que faça referência ao acidente na Rodovia Tertuliano de Brito Xavier. A culpa é do cachorro?

Não. A culpa é do ser humano. Primeiro, porque foi causado por um condutor não-habilitado em uma motocicleta, o que serve de questionamento à sua perícia. Depois, a Tertuliano é uma rua de baixa velocidade (40 km/h). Circulando neste limite, pode-se perfeitamente frear um ônibus em poucos metros para evitar uma colisão ou atropelamento. Terceiro, o cão, pelo que consta na matéria de um jornal, tem proprietário. Ou seja, deveria estar em um pátio, em segurança, sem correr ou oferecer riscos a pedestres, ciclistas ou motociclistas.

O engraçado é que para a imprensa (e várias pessoas), a culpa não foi nem do motoqueiro sem habilitação, do excesso de velocidade (a moto se arrastou por 40 metros), ou do dono que deixou o animal solto. A culpa foi... do cão!

Uma leitura rápida ou mal-feita destas notícias passa a idéia de que cachorros são ameaças ao ser humano. Não raro leio relatos, em jornais ou blogs, de pessoas citando "cães que atacam e derrubam crianças e idosos". Em quatro anos de Canasvieiras nunca constatei uma cena destas. Pelo contrário. Nossos cães levam uma vida tranquila, dormindo preguiçosamente na areia e alimentando-se da boa vontade de pescadores e donos de restaurantes. Fazem necessidades? Sem dúvida. Mas incomodam muito menos do que os nossos educados turistas e moradores. Cães não urinam e defecam dentro da água com banhistas em volta, não deixam latas e garrafas jogados na praia e nas praças, não circulam com o som ligado a todo volume, não estacionam seus carros nas entradas de garagem, e não cruzam as nossas ruas a toda velocidade, sem respeitar cruzamentos e sinalizações, até se arrebentarem em um acidente com vítimas inocentes.

Porquê então os vira-latas causam tanto mal-estar em algumas pessoas? Porque são um subproduto da sociedade. Assim como os mendigos. Não são seres vivos. São párias, pragas, parasitas, estragando a paisagem e vivendo às nossas custas. Deveriam ser recolhidos ou exterminados, muita gente pensa. Fazer algo para ajudá-los? Isso é obrigação do governo, para isso pagamos impostos. E assim, ensinamos valores de vida aos nossos filhos. Um cão faminto ou um ser humano bêbado ou drogado tem tanta importância quanto uma lata de lixo quebrada.

Sim, eu sou voluntário de uma ONG de amparo aos animais, a PATA. Não fico esperando que o governo resolva os problemas. Tento fazer minha parte, ainda que pequena, ajudando estes abnegados protetores a encontrar um lar para nossos animais abandonados. Mas enquanto não é possível ajudar a todos, a idéia é conscientizar as pessoas sobre a posse responsável e, principalmente, lembrá-las que um "vira-lata" também é um ser vivo, que precisa de alimento e cuidados. Se não podemos levá-los para casa, não vamos incentivar outras pessoas a odiá-los.

Não vamos fazer disto um caso de polícia. Vamos nos preocupar com o ser humano. Este que joga esgoto no mar, constrói na faixa de areia, não aceita ser criticado, e responde com agressões que acabam até em fatalidades quando são contrariados. Este sim, representa um perigo muito maior para a sociedade, e não está recebendo atenções devidas das autoridades...

Rodrigo Soracco Espinosa