segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Canasvieiras, a sedutora

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."
FERNANDO PESSOA

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Os amigos de Canasvieiras já sabem que em dia de sol não me encontram em casa. Deixo a casa arrumada. E me mando pra praia. Tanto no verão - quando fico megabronzeado - como no inverno. Enquanto o sol estiver dando as caras e a temperatura no limite do razoável, não arredo pé da areia.

E ao longo do tempo fomos fazendo amigos novos. Pessoas que pensam como nós em relação à praia e ao sol. A maioria já aposentados. Outros ainda na ativa. Quase sempre fazemos ponto na faixa de praia em frente ao "Bar do Chico", um dos locais de referência aqui da ilha, citado em jornais e revistas. Chico ficou grande amigo e é um renomado cozinheiro de frutos do mar.

Canasvieiras é uma das praias mais populares de Florianópolis, a preferida pelos argentinos, uruguaios, chilenos, paranaenses, gaúchos, etc...que a invadem nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro, fazendo a população pacata de 9000 almas saltar para 200.000 veranistas. Durante a alta temporada de 2010, segundo dados da Secretaria de Turismo de SC, Florianópolis recebeu 1 milhão de turistas, dos quais a maioria preferiu as praias de Canasvieiras e Ingleses.

Temos um amigo de apelido "Bigode" (que era dono de uma lancheria em S. Maria,RS, em frente ao Regimento Mallet) que está atualizando a lista dos santa-marienses que aqui residem. Ele está planejando realizar uma nova edição do jantar de santa-marienses moradores de Canasvieiras. A lista já ultrapassou a casa do 200.

O médico Ivan Marques da Rocha e sua esposa Marta são de Santa Maria e já se encontram em Canasvieiras há 14 anos. Ele me confessou : "Quem vem prá cá nunca mais sai daqui para uma cidade grande porque o clima é ótimo e o convívio é excelente".

Eu mesmo, quando precisei voltar à terra para fazer a nova carteira de identidade e renovar a carteira de motorista, senti um choque no meu bioritmo. Não conseguia dormir à noite com o barulho da cidade. De certa forma, estava desabituado até com os temas das conversas...Notícias de adultérios, batidas de carros, mortos recentes, fraudes, picuinhas, maledicências, exibicionismo de bens materiais, competições pessoais,confrontos políticos,refeições sociais, horários marcados, etc...não faziam mais parte da minha vida. E tive de conviver com isso na rápida visita de uma semana.

Corro o risco de não ser entendido por algum conterrâneo por estar escrevendo isso. Mas nada posso fazer. Não posso mandar na boca dos outros. Pelos outros eu só posso rezar. E nada mais. Os outros não têm culpa alguma. Eles continuam a sua vida e sua rotina. Eu que mudei.

Eu me habituei apenas com o barulho das ondas à noite. E o doce silêncio das madrugadas. Com os pássaros que vêm comer na minha sacada três vezes ao dia. Estou acostumado há mais de dois anos em andar apenas de bermuda, sem camisa, descalço ou de tênis. A andar de ônibus executivo, o eficiente "amarelinho". Ou tomar o busão verde-branco no TICAN-Terminal de Canasvieiras. Ou ser atendido pelo Dedé no caixa prioritário dos idosos na agência do Banco do Brasil, onde clientes e funcionários se conhecem pelo nome.

E os assuntos ? A altura da maré. Os cardumes de tainha. A anchova na grelha feita pelo Imeram. O camarão do Bocas. As lulas à milanesa do Quinha. As ostras gratinadas feitas pelo alemão Nilson e pela Diuris. O rodízio de camarão no Chico. As pizzas do Trattoria. A feijoada do Tutti Frutti. Os adoráveis filmes em 3D no Cinemark do Shopping Floripa. O Estadão e a Folha de SP na revistaria do Juarez. A Mônica e o Gocha, cantores da igreja. A Ivone e o Beto. A dona Neuza e seu inseparável yorkshire. O Beno, Noemi e Simone. A Alessandra, Domingos, Zuleide, Andrea, Cleide, Christóvão e Lizete, todos irmãos/amigos da Catedral. O Nilton Gesser, misto de médico anestesista e teólogo. O Feliciano e a Jaque. A Mirta e o uruguaio Jorge. A Jane e o argentino Norberto. A Tina. A Thayná. O Seco Cirarno e a Gabi. O vizinho Ricardo. O fotógrafo Ricardi. A gastronomia da Grazy. O Noé, nosso mais velho amigo com seus 82 anos. A Alice e o Fábio. A vegetariana Sandra, da Hygino Brito. O Mauricio e o filho Lucas. A Iza e o Luiz, talentosos músicos. As novidades do Zé da Banda. As piadas do Marinho. O tempero da Sandra, do Che Café. As caronas do Vorlei. A paranaense Elis. O convívio com a dona Edel e com Daniel. O Paulinho e a dona Carmem. O gremista Machado. O Daniel Simo, de Buenos Aires. O Daniel Anania e a Agustina, donos do Fênix. A dona Maria e o Itamar, do Lexus Plaza. O Carlos e o Adelço (assim mesmo) da Imobiliária. Os amigos entregadores do Imperatriz. As atendentes do Magia. Os gaúchos da Policlínica Norte da Ilha. A gentileza do Medina, médico peruano formado em S. Maria. O César da Canas Farmácia. As gurias da Panvel. Os balconistas da Ganzo. Os amigos da lotérica Gadu. O popular "Megasena" que me traz as apostas na porta de casa. A gentil Vera da lavanderia. A poetisa Janice Pavan e demais escritores da associação literária da ilha. Jack e Bugra, animadores da escuna "Pérola Negra". Os pescadores. Os padres Nelson, Jair, Anésio, Izidro. Os colegas dos retiros e quermesses. A dona Neiva da Sorveteria. A Ana Echevenguá, advogada ambientalista. O Fernando, Cristiano, Marcão, Ceniro, Valter, Jeff, Belchis, Julia, Alexandre - todos companheiros da academia Apollo. O nativista Alencastro e o italiano Mazzutti, meus dois primeiros amigos mortos de Canasvieiras. O Jorge da liturgia. Os colegas ministros e as centenas de paroquianos das missas da matriz Nossa Senhora de Guadalupe. Os amigos que trabalham com "remix" e "rent a car". Os doleiros. Os bicheiros. Os lutadores idealistas do movimento "SOS CANASVIEIRAS". Meus Deus...são centenas de pessoas que passaram a fazer parte do nosso mundo nestes pouco mais de dois anos. Levaria muito tempo citando todos.

A singela praia de Canasvieiras me deu a oportunidade de rever a vida. Jogar fora várias coisas, entre as quais a onipotência. Pude ver com clareza o que realmente é prioritário na vida. E sobretudo CONVIVER, com total despojamento, com pessoas simples. Que despertaram em mim a vontade de aprofundar o conhecimento sobre a ilha. Sua história, gente, fauna, flora, costumes e - principalmente - seus "falares e dizeres", na expressão do dicionarista mané.

Logo que cheguei, pisando em ovos, puxava assunto com as pessoas. Estava com receio de não me dar bem longe do meu amado Rio Grande do Sul. E receio de não ser aceito pelos nativos. Conversando com um pescador idoso,pele encarquilhada pelo vento, sol e sal, ele me disse :

- Moço,quem faz o ambiente é a gente !

Pois não é que ele tinha razão ?

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AUTOR : James Pizarro

6 comentários:

Sandra disse...

Muito bom postar um artigo "mais leve" de vez em quando, no nosso blog.
Obrigada, professor Pizzarro. Só não o perdôo por não ter mencionado duas criaturas incríveis,simpáticas, conhecidíssimas, que fazem a alegria de moradores e turistas: Bóris and Babalu....
Abraços,
Sandra Petersen

Anônimo disse...

Dona Sandra!
Não tem algo mais "importante" pra falar do que "reverenciar" seus cachorros?

Nelson disse...

Quando viemos morar aqui, eu e minha família, não conseguíamos dormir bem devido ao silêncio, ao barulho das corujas, o canto dos passarinhos. Levou mais ou menos 1 ano para podermos entrar no ritmo.
Hoje? Não queremos outra vida...quando vamos a Porto Alegre, o máximo que conseguimos ficar são 4 dias...
Ninguém merece aquele barulho, aquele trânsito infernal, aquele stress que toma conta das pessoas.
Amamos este lugar, com todos os seus problemas, dos quais não podemos escapar, mas fazer o que pudermos, para resolvê-los...
Estamos tentando!
Abraços, parabéns pelo belo artigo.
Nelson

Unknown disse...

Apesar de nunca ter morado em Canasvieiras (espero um dia ter esse privilégio) enquanto lia o artigo tive a sensação de estar lá!
Que lugar agradável, como é bom poder, nem que seja por curtos finais de semana, fazer parte disso. A Sandra tem razão quando comenta sobre a importância de postar artigos mais "leves", pois apesar dos problemas é, sem dúvida, um lugar abençoado!
Um abraço,
Natalia Ubilla

Sandra disse...

Obrigada, querida Natalia...
Estávamos comentando exatamente isso, eu e o pessoal da Academia. Aqui, apesar de ser um lugar pequeno, as conversas são amenas. Dificilmente falamos da vida dos outros, da aquisição de bens materiais. O que mais nos importa é a saúde, o bem estar, a preocupação de uma praia limpa, a natureza preservada, as tainhas, a melhoria daquilo que não está bom, os jogos do Grêmio, Avaí, Figueira, até do Inter (hehehe)...etc...,
Pelo menos no "nosso meio" é assim.
Tomara que um dia vocês venham para cá, definitivamente.
Obrigada pelo comentário.
Sandra

Mercia disse...

Isso daí tá me parecendo uma coluna social do interior do interior...sÕ!!!!
Tbem quero "aparecer'
mereço!!
MERCINA